A REVOLUÇÃO SILENCIOSA: COMO A COBRANÇA EXTRAJUDICIAL ESTÁ TRANSFORMANDO OS CONSELHOS PROFISSIONAIS

CONGRESSO NACIONAL DE GOVERNANÇA DOS CONSELHOS DE CLASSE 10/10/2025
por Mauro Camargo (jornalista)
A REVOLUÇÃO SILENCIOSA: COMO A COBRANÇA EXTRAJUDICIAL ESTÁ TRANSFORMANDO OS CONSELHOS PROFISSIONAIS
Resumo

GESTÃO EFICIENTE

A revolução silenciosa: como a cobrança extrajudicial está transformando os conselhos profissionais

Procurador-Geral do CREA-RJ, Rodrigo Steinmann Bayer, detalha em congresso como a mudança de foco do Judiciário para o cartório aumenta arrecadação, moderniza a gestão e reaproxima profissionais.

Mauro Camargo

Em um ambiente onde a tradição jurídica muitas vezes se sobrepõe à inovação, uma mudança de paradigma silenciosa, porém revolucionária, está redesenhando o futuro financeiro e administrativo dos conselhos profissionais no Brasil. A chave para essa transformação foi o tema central da fala do Dr. Rodrigo Steinmann Bayer, Procurador-Geral do CREA-RJ, durante o Congresso Nacional de Governança dos Conselhos Profissionais, realizado na última sexta-feira, 10 de outubro, em Brasília. Com a experiência de quem transita entre a burocracia catarinense e a complexidade fluminense, Bayer apresentou uma defesa contundente da extrajudicialização da cobrança, não como uma alternativa, mas como o caminho mais lógico, eficiente e legal para a sustentabilidade dessas autarquias.

Participando do "Painel 6 - Honorários Advocatícios na Cobrança Extrajudicial", o procurador trouxe uma perspectiva complementar à de seus colegas, focada em dados, estratégia e resultados práticos. Sua apresentação foi um mergulho profundo nas razões pelas quais abarrotar o Judiciário com execuções fiscais de baixo valor é um modelo falido e como o protesto em cartório se tornou a ferramenta mais poderosa para a recuperação de créditos.

Natural de Florianópolis e procurador de carreira do CRA-SC, Bayer iniciou sua fala agradecendo à OAB Nacional pela parceria constante nas lutas que definem o dia a dia dos conselhos. "Sabemos das dificuldades desse ambiente híbrido: ora público, ora privado. Temos a função pública da fiscalização, mas convivemos com limitações de prerrogativas — não temos regime de precatórios, não temos RPV — o que impõe desafios diários", contextualizou, pintando o cenário de um sistema que exige criatividade e resiliência de seus gestores e advogados.

O ponto de partida de sua análise foi um estudo revelador do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre o congestionamento do Judiciário. Os números são alarmantes. A União lidera como a maior litigante do país, respondendo por 59,2% de todas as execuções fiscais. Em um surpreendente segundo lugar, aparecem os conselhos profissionais, com 6,4% do total de ações. A desproporção se torna ainda mais evidente quando se analisa o valor médio dos créditos: enquanto uma execução da União girava em torno de R$ 6.303, a de um conselho profissional era de apenas R$ 1.540.

"Esse descompasso evidenciou a necessidade de mudança de modelo", afirmou Bayer. O custo médio para movimentar a máquina judiciária em uma execução fiscal no Brasil é de R$ 980. A conclusão é matemática e inescapável: em muitos casos, o Estado gastava quase o mesmo valor do crédito que buscava reaver. Essa constatação levou o CNJ a editar a Resolução 547, que tornou obrigatória a adoção de medidas administrativas prévias, como o protesto extrajudicial, antes de qualquer ajuizamento.

"No início, as procuradorias resistiram, mas, ao refletirmos, ficou claro que ela fazia sentido: não é razoável movimentar toda a máquina pública por créditos tão baixos", admitiu o procurador. O que parecia uma imposição burocrática revelou-se uma estratégia de gestão de alta performance.

Para comprovar a eficácia do modelo, Bayer usou o exemplo da própria União. Até 2012, o governo federal recuperava um percentual ínfimo de sua dívida ativa, entre 1% e 2% ao ano. Após adotar o protesto em cartório em 2013, a taxa de recuperação saltou para uma faixa entre 15% e 19%. Em termos monetários, o resultado foi espetacular: a arrecadação anual pulou de R$ 15 bilhões para R$ 105 bilhões em apenas um ano. "Um aumento de sete vezes", enfatizou.

O sucesso se repetiu em estados como Rio Grande do Sul, Mato Grosso e Acre, que alcançaram taxas de recuperação entre 30% e 38%. Enquanto isso, os conselhos profissionais, segundo Bayer, "ainda engatinham". Em Santa Catarina, por exemplo, a recuperação da dívida ativa por meios tradicionais patinava entre 4% e 6%.

A experiência do CREA-RJ, sob sua gestão, serve como um poderoso caso de estudo. O conselho acumula uma dívida ativa de aproximadamente R$ 450 milhões, distribuída em 268 mil certidões. A estratégia adotada foi gradual e focada. "Começamos protestando os débitos de apenas três anos (2015, 2018 e 2020)", explicou. Mesmo com essa abordagem faseada, os resultados foram imediatos. A arrecadação, que foi de R$ 12 milhões em 2022, tem uma expectativa de atingir R$ 45 milhões em 2023.

Além da efetividade financeira, a extrajudicialização trouxe um benefício administrativo crucial: a necessidade de "higienização da dívida ativa". Bayer alertou que muitos conselhos sequer têm um controle preciso do valor real de seus créditos. "Não atualizam ou baixam débitos prescritos, correndo risco de cobranças indevidas e até responsabilização por danos morais", pontuou. O processo de preparar os débitos para o protesto força uma organização interna que, por si só, já representa um grande avanço na governança.

Outro pilar da sua argumentação foi a obrigatoriedade da aplicação do encargo legal. Bayer foi taxativo ao citar o artigo 37-A da Lei 10.522/2002, que determina que créditos inscritos em dívida ativa devem ser acrescidos de juros, multa e um encargo legal, que substitui os honorários de sucumbência. "Não se trata de faculdade, mas de obrigação", declarou. A lei é tão clara que prevê uma redução de 50% no valor do encargo caso o devedor pague a dívida antes de medidas mais drásticas. No CREA-RJ, foi estabelecido um rito que favorece a regularização: após a notificação, o profissional tem 30 dias para quitar o débito com esse desconto. Caso haja contestação, são realizadas sessões de conciliação, muitas vezes por videoconferência, com a presença de um procurador. "Isso tem permitido não apenas recuperar valores, mas também reaproximar profissionais do sistema", destacou.

Por fim, Rodrigo Bayer tocou em um ponto estrutural e muitas vezes negligenciado: a remuneração dos advogados públicos. Ele defendeu a implementação de políticas de remuneração variável atreladas à produtividade e metas. "A experiência mostra que isso eleva a eficiência institucional. Hoje, a advocacia nos conselhos ainda é mal remunerada. Os honorários e encargos legais são um instrumento importante para atrair e reter profissionais qualificados", argumentou.

A mensagem final de Bayer foi um chamado à ação para todos os conselhos do país. O aumento da arrecadação, concluiu, não é uma vitória isolada das procuradorias, mas um triunfo de toda a instituição. Significa mais recursos para fiscalização, para capacitação, para projetos de cooperação e para a valorização das categorias profissionais. "Não podemos permitir que os conselhos sejam sustentados apenas por parte dos adimplentes. A cobrança eficiente é um dever legal e moral com toda a categoria", finalizou. A revolução silenciosa da extrajudicialização, como ficou claro no palco do Royal Tulip, já começou.

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