CNJ DECRETA O FIM DO “CELEIRO DE CRÉDITOS PODRES” E FORÇA UMA REVOLUÇÃO NA COBRANÇA DE DÍVIDAS
Resumo
REVOLUÇÃO JUDICIAL
CNJ decreta o fim do “celeiro de créditos podres” e força uma revolução na cobrança de dívidas
Em fala contundente, conselheiro Marcello Terto detalha como a Resolução 547 está mudando a mentalidade do Estado, reduzindo milhões de processos e aumentando a arrecadação para todos, inclusive para os conselhos profissionais.
Mauro Camargo
O teatro do Hotel Royal Tulip, em Brasília, tornou-se o palco de um dos debates mais relevantes para a administração pública e a governança no Brasil. Na última quinta-feira, 9, durante o Congresso Nacional de Governança dos Conselhos Profissionais, a plateia de gestores e advogados ouviu atentamente o conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Marcello Terto, detalhar o que ele mesmo classificou como uma "verdadeira revolução". O tema do PAINEL 2 — "JUSTIÇA EXAURIDA, SOLUÇÕES INOVADORAS: A RESOLUÇÃO CNJ 547/2024 COMO POLÍTICA DE DESJUDICIALIZAÇÃO" — não poderia ser mais apropriado. Terto, com a autoridade de quem participou ativamente da concepção da norma, dissecou a falência de um sistema de cobrança judicial que por mais de quatro décadas sobrecarregou o Judiciário e entregou resultados pífios.
A sua análise, mais do que uma defesa técnica da resolução, foi um chamado à mudança de mentalidade, um diagnóstico incisivo de como o próprio Estado se tornou o maior vilão no congestionamento dos tribunais. "Nós — e não falo apenas dos conselhos profissionais, mas do Estado como um todo — transformamos o Poder Judiciário em um celeiro de créditos podres", afirmou Terto, em uma das frases mais impactantes de sua palestra.
O ponto de partida da reflexão do conselheiro foi a Lei de Execução Fiscal (nº 6.830), promulgada em 1980. Para Terto, a legislação se tornou obsoleta, um instrumento anacrônico diante das necessidades atuais e do próprio Código de Processo Civil de 2015. O resultado dessa insistência em um modelo ultrapassado foi uma catástrofe administrativa e financeira.
O diagnóstico apresentado pelo ministro Luís Roberto Barroso ao assumir a presidência do CNJ, em 2023, foi o estopim para a mudança. Os números eram, e ainda são, assombrosos: de um acervo nacional de 80 milhões de processos, cerca de 27 milhões (31%) eram execuções fiscais. A taxa de congestionamento desses processos beirava os 90%, significando que a vasta maioria simplesmente não andava, aguardando uma eventual prescrição.
O custo-benefício dessa máquina era desastroso. Com base em dados atualizados, Terto apontou que o custo mínimo para movimentar uma única execução fiscal chega a R$ 9.277. Em contrapartida, a taxa de recuperação desses créditos, nos cenários mais otimistas, não ultrapassava 2%. "Tínhamos um universo de execuções fiscais paradas, suspensas, aguardando a prescrição", explicou. "A relação custo-benefício e o custo de oportunidade daquelas ações eram uma tragédia".
Para ilustrar o absurdo da situação, o conselheiro relembrou sua época como procurador-chefe no Tribunal de Contas dos Municípios de Goiás, onde a realidade das multas de baixo valor era similar à das anuidades dos conselhos profissionais. O ajuizamento em massa de débitos irrisórios demonstrava a incapacidade do Estado de tratar seus créditos na fase administrativa, delegando ao Judiciário uma tarefa para a qual ele não foi desenhado e na qual se mostrava ineficiente.
Diante desse cenário, a gestão do ministro Barroso elegeu o tema como prioritário. Um grupo de trabalho, do qual Marcello Terto fez parte, foi formado para desenhar uma solução que não fosse apenas um ajuste processual, mas uma "revolução cultural nas práticas executivas do Estado". Nascia assim a Resolução CNJ nº 547/2024.
O processo de construção foi longo e dialógico, envolvendo reuniões com procuradorias de estados e capitais para colher percepções e vencer resistências. "Fui muito criticado por alguns colegas, que diziam: 'Nós estamos renunciando a créditos. E os honorários, como ficam?'", confidenciou Terto. Sua resposta era pragmática e direta: "Meu amigo, 10% ou 20% de nada, para mim, é zero. E, em segundo lugar, você é um agente de Estado, e deve se preocupar com a resolutividade do interesse público".
A resolução, amparada por decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), como o Tema 1.184, não proíbe a cobrança, mas a condiciona. Ela exige que o ente público, antes de bater às portas do Judiciário, comprove ter esgotado vias administrativas mais eficientes, como o protesto de títulos e a negociação. Não se trata de renúncia fiscal, mas de "inteligência administrativa".
Os exemplos práticos demonstram que a política está no caminho certo. Terto citou o "povo cearense, sempre provocador e inovador", com o município de Fortaleza, que antes mesmo da resolução já havia estabelecido uma alçada de R$ 50 mil para ajuizamento, reduzindo seu acervo em mais de 80% de uma só vez, sem prejuízo à arrecadação.
O caso de Salvador é ainda mais emblemático. Após uma resistência inicial, o município aderiu à nova política. O resultado em um ano foi uma redução de 51% no acervo de execuções fiscais e um aumento de 87% na arrecadação. A lição, segundo Terto, é pedagógica: "Mostra que não vale a pena deixar de pagar".
Os números nacionais consolidam o sucesso da iniciativa. Em menos de um ano e meio, o estoque de processos do Judiciário brasileiro diminuiu em 13 milhões. O acervo de execuções fiscais caiu 34%, a taxa de congestionamento recuou 20% e a entrada de novas ações diminuiu 37%. "Se não fosse o esforço nas execuções fiscais", calculou o conselheiro, "hoje já estaríamos com 90 milhões de processos".
Chamado aos Conselhos Profissionais
Dirigindo-se diretamente à plateia, Terto abordou a principal preocupação dos conselhos: o baixo valor individual de suas anuidades. "Mas nossos créditos são pequenos. Teremos que esperar cinco anos e, se não chegar a dez mil, seremos proibidos de executar?", questionou, ecoando as dúvidas do setor.
A resposta foi clara: não se trata de proibição, mas de uma mudança de comportamento. A recomendação é investir nos setores internos de cobrança, pois "sai mais barato do que buscar a Justiça". A ferramenta do protesto, por exemplo, demonstrou ser extremamente eficaz. Terto relembrou sua experiência no TCM de Goiás, onde, após firmar um convênio para protestar os créditos, o índice de recuperação saltou para quase 70%. "O devedor sabe a consequência de ter o nome protestado: não consegue comprar uma geladeira, não habilita uma linha de celular. Isso afeta a vida do mau profissional que não cumpre suas obrigações", pontuou.
A conclusão do conselheiro foi um forte apelo à autorresponsabilidade. A Resolução 547 resolveu o problema comportamental do maior litigante do país: o próprio Estado. Agora, cabe a cada parte desse Estado, incluindo os conselhos profissionais, fazer sua lição de casa.
"O Poder Judiciário não existe para produzir sentenças em escala, mas para entregar justiça. E justiça também se faz com bom entendimento fora dos tribunais", finalizou Marcello Terto. "Se os conselhos profissionais são grandes litigantes nessa perspectiva, mudem também seu comportamento e sua visão. Porque, se não for assim, o Judiciário não resolverá o problema de vocês nem aumentará sua taxa de arrecadação". A mensagem foi clara: a era do Judiciário como balcão de cobrança chegou ao fim. Começa agora a era da eficiência e da inteligência administrativa.
PAINEL 2 - JUSTIÇA EXAURIDA, SOLUÇÕES INOVADORAS: A RESOLUÇÃO CNJ 547/2024 COMO POLÍTICA DE DESJUDICIALIZAÇÃO
Presidente de mesa: Dra. Elayne Menezes Garcia - COFEN
Expositores: Desembargador Federal Dr. João Carlos Mayer; Juiz Federal Magnolia Silva da Gama e Souza; Conselheiro do Conselho Nacional de Justiça Dr. Marcello Terto.
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